29/11/2013

Por entre lenços brancos de partida

Enquanto lê, escute:

Bandeira branca, eu me rendo. Mas não me rendo a um inimigo, rendo-me às mãos de membros quentes que me envolveram, do mar verde claro no qual me afoguei sabendo que poderia ser fatal. Eu escolhi dar a primeira braçada nessas águas turvas e aqui estou não aguentando mais nem mesmo me movimentar. Existe areia movediça líquida?

Tudo começou com aquele sonho, você sabe. Acariciava-lhe os cabelos escuros com a maior inocência do mundo, que me parecia paradoxal quando eu começava a ter os fios loiros dos meus braços eriçados. Desde então, suas visitas no auge das minhas três horas de sono nas madrugadas começaram a ser constantes e os dedos de uma mão não são suficientes para enumerar as vezes em que me levantei da cama chamando o seu nome. O que mais me intriga é que eu posso jurar de pés juntos e sem nenhum dedo cruzado que você realmente já esteve em meu quarto, que em minha cama já estivemos juntos, que sua mão já tocou minha cintura.

Num desses últimos sonhos, nós nos beijamos. Uma sala branca, sem ninguém, foi o cenário de segundos de emoções à flor da pele. Pele sensível à sua respiração, flor que você me deu e disse ser semelhante a mim. Durante esses instantes, tudo o que eu ouvi foi o som de ondas quebrando em alto mar, mesmo estando a mais de 500km daquela orla secreta e vazia que idealizei para nós dois. Como se não bastassem todos os efeitos colaterais que o seu corpo provoca ao meu, você ainda me provoca alucinações.

Sua visita mais recente foi ontem. Você entrou aqui pela janela (acredito ter lido Rapunzel para minhas futuras filhas, mentalmente, segundos antes de dormir). Eu o vi me vendo, observando-me com a palma da mão no queixo e com um sorriso irradiante. O branco dos seus dentes foi amarelando e a luz que deles vinham foi ficando cada vez mais forte, até que meus olhos se abriram e eu percebi que eles estavam incomodados pela luz do sol que passava pela greta da persiana quebrada. No fundo, eu sei que quem a quebrou foi eu, semana passada. Mas, nas últimas 24 horas, me forço a crer que quem a danificou foi você, tentando entrar aqui para ficar mais perto de mim.

Despertei-me então. Na verdade, o sol, que pareceu ter origem no seu sorriso, despertou-me. Acordada, sabia que iria encontrá-lo ao vivo, em cores, em sons e de corpo. A angústia veio logo em seguida. Seria o último encontro e depois só nos encontraríamos por obra do acaso (no entanto, como eu sei que o acaso implica comigo, tinha a certeza que entre nós só haveria desencontros... o que me doeu ainda mais). Abri a torneira do chuveiro, deixei a água cair em mim e, enquanto as gotas escorriam pela parte de trás da minha cabeça, lembrei-me de você acariciando meus cabelos daquele jeito meio “sem dedos” de dar carinho que você tem. Só a palma da mão está presente em seus afagos.

Passei perfume, coloquei aquele brinco que realça o meu tom de pele (como você o descreve). Respirei fundo. Não sabia o minuto no qual você apareceria, mas você sabia que eu estaria ali, pronta para vê-lo abrir a porta.

Cochilei e acordei assustada com o barulho da porta se abrindo. Era você, meu dengo, de cabelo quase seco. Acenou de longe e foi embora. Momentos assim, prefiro descrever sem muito detalhe para ver se a dor passa rápido. Mas eu corri atrás de você, corri contra aquele sentimento ruim que me dominou por instantes e me fez pensar que aquela não poderia ser nossa despedida. E a direção na qual eu ia era a mesma na qual você estava... Entretanto, como sempre, estávamos em sentidos opostos e, pela primeira vez, o destino resolveu me dar crédito, fazendo com que nossos rostos se encontrassem.

Confesso ter sentido um frio na barriga, onde surgiu um viveiro de borboletas. Você me sentiu trêmula naquele abraço que lhe dei. Minhas pernas não mais eram pernas, eram britadeiras em pleno funcionamento. Achei que o chão ia se abrir sob nós. Acho que ele se abriu, mas você me segurou.

Seu cheiro, enfim perto do meu nariz, fez com que uma lágrima escorresse o meu rosto, que, de tão colado ao seu, compartilhou essa gota que se espalhou entre nós. Nós somos bons em nos abraçar, você me causa segundos de paz interna e acredito causar-lhes em você também. Paz que foi se escoando junto com a lágrima e que sumiu quando você se afastou de mim e segurou os meus ombros, olhando-me nos olhos.

“Promete que a gente ainda vai se encontrar?” - perguntei. E com o mesmo doce dessas íris suas, que há três meses reparei existir, ouvi a única palavra que me reconfortou durante uma manhã inteira de espera e ansiedade... “Prometo.” – você respondeu com sinceridade indubitável.

Eu me virei e corri. Eu só queria guardar aquele momento, não queria mais ouvir nenhuma palavra sua, já que alguma poderia não soar suave aos meus ouvidos. Corri também para não mais ver seu rosto sorridente que poderia mudar facilmente com um simples “adeus” que eu desse. Quero guardar comigo os nossos últimos segundos assim: o mesmo abraço de sempre, os mesmos risos de sempre, a mesma alegria ao falar, a mesma reação que a gente sempre teve ao se encontrar.


“Rumo estrada turva, sou despedida por entre lenços brancos de partida. Em cada passo, sem ter você vou mais só...” 
Teletema, de  Antônio Adolfo e Tibério Gaspar

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