Enquanto lê, escute:
Você só era mais um dos meus desenhos feitos a lápis 6B em
um papel todo manchado de grafite. Seus olhos não tinham tantas sombras, mas o
que faltava de sombras nos olhos, contornos tinham a boca. Você tinha um
maxilar definido e, mesmo o desenho sendo em preto e branco, sabia que seu par
de bochechas eram rosados (rosa escuro, até, quando você sorria). Você possuía ombros
largos e o trapézio forte (os traços mais pesados diziam) e, com aqueles
rabiscos, você ganhou contorno de herói. Mas eu não o desenhei para que fosse
cheio de músculos aparentes, não. Você era símbolo de proteção e sua força era
aquilo que você me passava enquanto o olhava ao desenhar.
Você tinha algumas curvas que convidavam o corpo e a alma ao
amor. Algumas das suas linhas pareciam linhas de trem que levavam a lugares
secretos, a países desconhecidos. Suas trilhas eram confusas, nelas eu me
perdia, delas eu me saciava. E saciava-me de algo em duas dimensões que parecia
ter três devido às sombras mais próximas à perfeição que eu pude fazer. Saciava-me
de um símbolo que criei, despido de blusa, vestido de bermuda e só bermuda.
A cada novo traço que eu traçava, tornava-me mais sua em
reciprocidade ao fato de você ter sido, desde o início, meu. Minha mão esquerda
o criava de acordo com o que mandava o lado direito do cérebro, meu lado mais
confuso, meu lado de desejos, desejos resumidos a você. Meu irracional
implorava o racional para que você existisse. Você e seus peitos dos pés. Você
e suas mãos que me puxavam para perto, que me pediam mais um rabisco, mais um
detalhe em seu corpo. Você me chamava com os seus balões de fala que eu lhe
dei. E me queria e me amava e me desejava também.
Esses seus dois ossos que delimitam o final da cintura para
o começo das pernas criaram caminhos descendentes, que, com a ajuda da
gravidade, jogavam-me para baixo e aos seus pés eu ficava, olhando-o nos olhos.
Mais um cílio eu acrescentava, mais um fio negro em sua sobrancelha que tanto
lhe dava aspecto de homem sério. Sua seriedade chegou a me causar calafrios,
mas eu continuava a curvar os seus olhos para cima e suas pálpebras alinhar
para que eles continuassem a me cativar.
Eu lhe dei uma barba rala, falha, por fazer. Veias que levemente
saltavam antebraço que só podia ser visto porque a palma da sua mão encontrava
repouso na parte posterior da cabeça, na nuca. Não conhecia o seu corpo de
costas, mas podia imaginar, podia até desenhar. Mas esse lado escuro da lua seu
me convidava a beijá-lo. Beijar-lhe as escápulas, tocar-lhe a coluna em um
movimento de queda, sentir vértebra por vértebra com a ponta dos dedos. Você
era um Deus. A água que você me provocava na boca não saciava minha sede de
você, de conhecê-lo ao vivo, com mais cores além do preto e o branco.
Acabei de dar-lhe todos os traços. Fiquei sentada na
escrivaninha, com os pés na cadeira, admirando tudo aquilo que sempre quis e eu
fiz. Você ali, tão perto, mas tão inexistente, tão imaginário. Mas tão meu. Mas
tão sonho realizado. Você me provocou mordidas de lábio inconscientes e sonhos
que me movimentavam da cabeça aos pés, mesmo durante as noites frias em que eu
insistia em dormir sem cobertor.
Emoldurei-o e coloquei na parede em que está encostada a
cabeceira da minha cama. Desde então passei a dormir de cabeça para baixo só
para poder ter-lhe como a última coisa que vejo antes de dormir todas as
noites. Você. Meu Deus. Você...
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